Refugiadas Empreendedoras: migrantes venezuelanas constroem novos caminhos no Rio Grande do Sul

Dezenove migrantes venezuelanas que vivem no Rio Grande do Sul fazem parte da primeira turma do projeto Refugiadas Empreendedoras. A iniciativa é voltada à formação de mulheres migrantes ou refugiadas interessadas em abrir ou aprimorar seus negócios para tornar o empreendedorismo uma alternativa concreta de geração de renda, autonomia e integração social.
A ação, promovida pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados Brasil (SJMR), em parceria com a Agência Besouro de Fomento Social, iniciou na primeira quinzena de outubro com uma semana de aulas presenciais e prossegue até o mês de janeiro com mentorias individualizadas, oferecendo ferramentas práticas para transformar ideias em negócios com pouco ou nenhum investimento inicial.
A maioria das alunas tem entre 25 e 40 anos. Embora tenham chegado ao Brasil em períodos diferentes, as participantes da turma – composta exclusivamente por mulheres – compartilham trajetórias marcadas por desafios semelhantes. Vindas de um país afetado por uma grave crise econômica, deixaram sua terra em busca de novas perspectivas. Já em território brasileiro, muitas enfrentaram condições precárias de moradia, vivendo em barracas próximas à fronteira antes de serem acolhidas por ações de ajuda humanitária que as conduziram ao Rio Grande do Sul, onde receberam apoio de entidades sociais como a SMRJ.
Em solo gaúcho, essas mulheres passaram por diferentes experiências profissionais, muitas delas em trabalhos domésticos e informais, enfrentando dificuldades de adaptação e estabilidade. Hoje, no entanto, chegam ao projeto trazendo ideias de negócio, esperança e uma forte disposição para transformar suas histórias por meio do empreendedorismo.
Culinária venezuelana é opção de negócio para gerar renda e resgatar tradições
É o caso de Eddy Betancourt. Com 62 anos, e vivendo há oito no Brasil com a família, ela está decidida a apostar no resgate das tradições do seu país como fonte de renda, preparando doces de frutas típicos na Venezuela, como os de mamão verde e manga, e o Majarete, espécie de pavê feito de coco e farinha de milho. E já tem nome para o empreendimento: Raízes.
Eddy conta que já vinha vendendo os doces artesanais para vizinhos venezuelanos, no bairro Santa Rosa de Lima, onde mora em Porto Alegre, mas foi depois de iniciar a capacitação em empreendedorismo que decidiu realmente focar no negócio. Para ela, o maior ganho com o curso foi o aprendizado sobre cálculos e o planejamento necessário para gerir melhor o empreendimento. “Eu achava que, se ganhasse um troquinho, já seria suficiente. Não dava valor para o que fazia e não tinha nem ideia de que deveria fazer cálculos. Não anotava nada. Estava trabalhando sem ter nenhuma noção”, relata.

Com as orientações recebidas, a empreendedora vai implementar várias mudanças, como a compra de insumos em atacados para otimizar o uso dos recursos investidos. E está confiante nos resultados: “Tenho muito mais ferramentas do que antes. Agora, vai dar tudo certo pra ter meu próprio negócio. Tenho certeza disso, porque estou muito mais preparada e vou ter a mentoria para me ajudar a fazer a coisa certa”, diz Eddy.
Desde que morava na Venezuela, seu sonho era ter uma loja de doces – e agora sente que tem chances de torná-lo realidade. “O curso foi excelente. Abriu meus olhos. Aprendi muita coisa com pessoas maravilhosas que se empenharam muito e têm uma forma bem simples de ensinar”, diz a venezuelana, que pretende conquistar o paladar dos seus conterrâneos e dos gaúchos com os doces da sua terra.

Sandra Monroy Sifontes, de 45 anos, também viu na capacitação uma nova perspectiva para transformar sua jornada. Ela chegou ao Brasil em 2017, acompanhada do esposo e dois filhos, todos em estado de desnutrição. Em Porto Alegre, trabalhou como babá, empregada doméstica, auxiliar de limpeza e copeira. Incansável, já fez cursos de atendimento público, confeitaria, construção civil para mulheres e eletricista. “A gente não pode parar, tem que ir atrás, buscar uma solução”, diz a migrante.
Em 2024, Sandra teve sua primeira experiência como empreendedora no Brasil, revendendo roupas, mas acabou perdendo tudo quando a enchente atingiu o bairro Sarandi, onde morava. Depois de se reerguer com auxílio governamental, ela voltou a pensar em trabalhar por conta própria, especialmente após um agravamento no estado de saúde do marido.
Ao iniciar a capacitação, planejava retomar as vendas de confecções, aproveitando a experiência anterior. No entanto, as orientações recebidas durante o curso a fizeram repensar o negócio e buscar um produto diferenciado, com mais potencial de sucesso no mercado.
Para Sandra, os conhecimentos obtidos no curso trouxeram desafios, mas também a perspectiva de crescimento. “Sempre fui uma pessoa sem medo, saio logo fazendo alguma coisa. No curso, vi que preciso ser mais centrada, pesar prós e contras antes de começar um negócio. Aprendi a me organizar. Muita coisa foi novidade, como o planejamento, que nunca fiz”, aposta Sandra.

Com a ajuda da mentoria individualizada, a empreendedora identificou uma nova oportunidade de negócio: vai revender farinha de milho processada, produto típico da Venezuela usado no preparo de pratos tradicionais, como a Hallaca, preparada principalmente no Natal. Ela já criou o perfil do empreendimento nas redes sociais e acredita que as vendas devem crescer no fim do ano, quando o aumento no consumo desses produtos entre os conterrâneos que vivem no estado tende a impulsionar o negócio e fortalecer os laços culturais com seu país de origem.
Sandra conta que a capacitação foi um divisor de águas. “O curso foi uma bênção. Abriu meu entendimento sobre empreender e sobre mim. Me capacitou para planejar e avaliar o que pode ser melhor para não ter tantos tropeços”, afirma.
Ela destaca, ainda, o diferencial de ter como consultora uma profissional que também é migrante venezuelana. “Está sendo o máximo contar com uma consultora que passou por tudo o que passamos. Nos dá segurança e ânimo. Foi o melhor que poderia acontecer na vida. Só precisava dessa oportunidade nesse momento”, conclui. E, em breve, vamos contar essa história por aqui também.
Visualizações