Companheiros de vida e nos negócios

Há 15 anos, Vinicius e Ricardo afinam ritmos e saberes para crescer juntos e no artesanato
Empreendedorismo e amor têm algo em comum: ambos exigem paixão e dedicação. E esses dois atributos estão presentes no dia a dia de Vinícius Maciel Rodrigues, 39, e Ricardo Lago Cardoso, 44 anos, moradores de Sapucaia do Sul, na região metropolitana da capital gaúcha, Porto Alegre. Juntos há 15 anos, eles compartilham a gestão e a produção (ainda que com intensidades diferentes) na Criativos Artesanatos e na Lovely Rose Suculentas, empreendimentos a que dedicam seus talentos para o artesanato e para o cultivo de plantas suculentas, respectivamente.
Os dois negócios eram apenas um – chamado Rosa das Pedras – até novembro de 2024, mas a decisão por tocá-los de maneira segregada veio durante a participação do casal no Gerdau Transforma, projeto fruto da parceria entre a maior empresa brasileira produtora de aço e a Besouro de Fomento Social, que tem o objetivo de para levar saberes relacionados ao empreendedorismo a milhares de pessoas no Brasil e no exterior. “Logo na segunda aula, durante as explicações da tutora, deu um estalo e decidimos que seria melhor seguir dessa maneira, com uma marca para cada um de nossos nichos de atuação”, descreve Ricardo. Com isso, segundo eles, fica mais fácil para fazer a divulgação e para captar novos clientes. “Estávamos enfrentando algumas dificuldades com o público, porque às vezes as pessoas queriam só artesanato, outras apenas suculentas”, amplia Vinicius.
Os primeiros passos nesse novo formato são iniciais, mas firmes. Vinicius prioriza a produção de peças que incluem filtros dos sonhos, móbiles e amigurumis, enquanto Ricardo encabeça a Lovely Rose Suculentas, que além das plantas (que crescem no viveiro instalado junto à casa) oferece vasos diferenciados, como os elaborados com conchas. Há momentos, no entanto, em que razão de demanda ou de necessidades específicas, eles elaboram e cultivam de forma conjunta. Os dois também se dividem entre a cidade em que residem oficialmente e aquela de que viraram moradores contumazes durante os verões, a litorânea Tramandaí, distante apenas 120 quilômetros de Sapucaia. Nos meses em que a praia enche, é para lá que eles vão para esvaziar os estoques.
Empreender não é exatamente uma novidade para o casal. Ricardo montou seu primeiro negócio em 2004. Tratava-se de um estúdio de terapias holísticas. Em 2011, Vinicius chegou a embarcar no empreendimento, e juntos fizeram até um curso de massoterapia para aumentar o cardápio de serviços à disposição da freguesia. No entanto, um problema de saúde de Ricardo os afastou definitivamente do ramo. Para encarar o período de tratamento e recuperação, a alternativa que encontraram foi “caseira”. A mãe de Ricardo é, segundo ele, uma de suas principais referências no empreendedorismo (em que esteve inserida desde que ele se conhece por gente), mas também uma artesã talentosa. Os dois começaram, então, a dedicar-se a vender os produtos que ela elaborava. Gradualmente, eles mesmos começaram a imergir no ramo. Aprofundaram-se em técnicas - de forma autodidata ou em cursos - e a confeccionar seus próprios artigos.

O primeiro espaço para vendas de suas peças os artesãos encontraram em frente ao restaurante de uma amiga, na vizinha cidade de São Leopoldo (RS). Mais tarde migraram para a praça central de Sapucaia – a Praça General Freitas –, em que seguem a expor até hoje, e hoje as redes sociais também são usadas para chegar aos clientes e conquistá-los. Vinicius e Ricardo participam recorrentemente, também, de eventos, como a gigante Expointer (feira internacional de agropecuária, considerada a maior da América Latina ao ar livre, e que em 2024 recebeu mais de 660 mil visitantes) em que, além de exporem e fazerem negócios, cultivam amigos e trocam experiências.
“Como sou curioso, estou sempre estudando. Gosto de conhecimentos gerais. E ser empreendedor é uma aula diária de conhecimentos gerais. Porque você tem o seu produto, a sua técnica, mas a isso tem de juntar outras coisas, como a logística, o marketing, o atendimento ao público. Ao ser empreendedor, o aprendizado não para nunca”, pondera Ricardo, quando questionado sobre o que “de mais lindo e de mais louco” em ser dono de um negócio próprio. A inquietude – voluntária ou não – foi uma das razões pelas quais ele, ao lado de Vinicius, decidiu participar da turma do Gerdau Transforma. Ou melhor, “das turmas”, já que ambos participaram de duas edições do programa, cuja premissa é a de que todos os alunos saiam das aulas com um plano de negócios traçado, seja para abrir um novo ou qualificar um já existente.
Além de 20h de aulas, providas de conteúdos teóricos e práticos e balizadas pela metodologia By Necessity, os egressos no Gerdau Transforma contam com mais 3 meses de consultoria gratuita com especialistas para avaliar a aplicação do que aprenderam e decidiram. “Para nós, por exemplo, a questão do controle das finanças era um problema, e o curso fez uma enorme diferença, tanto durante as aulas como no período de consultoria”, amplia Ricardo. Vinicius sublinha a relevância da parceria com os tutores e com os especialistas. “Sempre que a gente precisou de ajuda, eles estavam presentes e dispostos a contribuir. Até na nossa divulgação colaboram. Quando a gente faz uma postagem, eles costumam curti-las e repassá-la”, conta. Foi a partir de uma consultora da Besouro, por exemplo, que os dois conheceram a Abalô Conexões Plurais, uma organização que tem a missão de ser um hub de soluções digitais para o empreendedorismo LGBTQIAP+ e que criou o primeiro marketplace dedicado exclusivamente a produtos e serviços oferecidos por talentos que integram a comunidade.
Em meio ao Mês do Orgulho, Vinicius e Ricardo convergem ao dizer que se trata de uma necessária forma de ainda buscar o básico: respeito. “Sou um pouco crítico em relação a existir uma data ou um período específico para celebrar o que deveria ser exaltado diariamente. Mas reconheço que se não temos respeito e visibilidade assegurados, isso se faz necessário para lembrar que existimos e para educar o público. Uma analogia: bancos preferenciais nem deveriam precisar ser assinalados em transporte público. Afinal, o respeito deveria vir antes da obrigação. Quem sabe um dia eles não sejam mais necessários. Até lá, devem continuar existindo”, pondera Ricardo.

Grupo Besouro: construindo oportunidades reais para quem mais precisa
A realidade para LGBTQIA+ no mercado de trabalho denota que, infelizmente, ainda estamos distantes de um cenário de respeito e valorização das diferenças e, consequentemente, de oportunidades mais equânimes. Estudos e entidades apontam a parca abertura por parte de empresas as para contratarem pessoas que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo e a persistência de preconceitos em ambientes de labor. Um levantamento feito a pedido da Globo News, em 2024, revelou, por exemplo, que em 300 companhias consultadas (que, juntas, contabilizam mais de 1,5 milhão de colaboradores), LGBTQIA+ respondiam por apenas 4,5% dos postos de trabalho. No que se refere a pessoas trans, especificamente, a situação era ainda pior: a participação era de apenas 0,38%.
Diante de um cenário ainda marcado pela exclusão e pela escassez de oportunidades no mercado de trabalho formal, especialmente para pessoas trans e não conformes ao padrão cis-heteronormativo, o empreendedorismo tem se consolidado como alternativa potente para a população LGBTQIA+. Para muitos, ele representa não apenas uma chance de realizar sonhos, mas também uma estratégia concreta de sobrevivência, geração de renda e construção de autonomia. É nesse contexto que iniciativas como o Gerdau Transforma ganham ainda mais relevância. Conduzido pelo Grupo Besouro em parceria com a Gerdau, o projeto é uma entre diversas ações da organização voltadas a fomentar a inclusão produtiva com foco em diversidade.
Com um compromisso ativo com a causa, o Grupo Besouro também lidera outras iniciativas que abrem espaço — de forma ampla, acolhedora e intencional — para o público LGBTQIA+. Entre elas, estão os projetos Mais Diversidade e Arco-Íris, que também atenderam pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social. Já o Empreende LGBTQIA+ SP, ainda em andamento, também trabalha com moradores de casas de acolhimento no estado de São Paulo — pessoas que, em muitos casos, enfrentam rejeição familiar, violências e traumas severos. Mais de 90 alunos já passaram pelas turmas do projeto, onde recebem formação empreendedora e acompanhamento técnico para transformar ideias em caminhos possíveis de autonomia financeira.
Nos últimos três anos, somando todas essas frentes, 742 alunos autodeclarados LGBTQIA+ participaram dos cursos promovidos pelo Grupo Besouro. Desses, 25% conseguiram abrir negócios próprios, 72,3% aumentaram sua renda e 100% relataram ganhos expressivos em autoestima, autoconfiança e senso de pertencimento. Porque empreender, nesse caso, é também um ato de afirmação, dignidade e resistência.
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