À mesa com o Valor: trajetória do fundador do Grupo Besouro alcança visibilidade nacional

16 de fevereiro de 2024 - 0 min pra ler

O fundador do Grupo Besouro, Vinicius Mendes Lima, foi protagonista em um perfil publicado hoje (16/02/2024) na edição impressa e digital do Valor Econômico, um dos veículos de imprensa de maior prestígio no país.

O conteúdo é fruto da conversa com o jornalista Gílson Yoshioka para a seção “À mesa com o Valor”. A entrevista destaca a Besouro e a By Necessity, além de contar a trajetória de Mendes Lima – da infância à criação da metodologia e da instituição.

Leia a matéria completa abaixo. Acesse pelo site aqui.

Por que o empreendedorismo pode ser o melhor caminho para pessoas em situação de vulnerabilidade social

Vinícius Mendes Lima, CEO da Besouro de Fomento Social, criou um método para quem vive em condições precárias e com escassas oportunidades no mercado de trabalho

Por Gílson Yoshioka — Para o Valor, de São Paulo

A necessidade é a mãe da criação de um negócio próprio, seja de pessoas à procura de um emprego ou cansadas de uma remuneração muito abaixo de suas expectativas. É por crer nisso que, quando criou um método para auxiliar pessoas com qualquer grau de instrução a empreender sem investimento inicial ou a um custo baixo, o administrador Vinícius Mendes Lima resolveu batizá-lo de By Necessity.

Ele se voltou principalmente para quem vive em condições precárias e com escassas oportunidades no mercado de trabalho. Aplicado por meio de parcerias com empresas e governos, o método, base de um curso de educação empreendedora, já capacitou mais de 172 mil pessoas em 27 países.

Lima fundou seu grupo Besouro de Fomento Social, formado por um instituto sem fins lucrativos e uma agência que busca o lucro, em Porto Alegre em 2009. São as duas entidades que disseminam o By Necessity. O Instituto Besouro atua com o setor público, participando de editais para oferecer treinamento empreendedor. A Agência Besouro atua junto com empresas privadas, aplicando seu programa de capacitação para, por exemplo, estimular o desenvolvimento de comunidades no entorno delas.

“A gente é remunerado por projeto”, explica. “Temos normalmente uma linha de custeio no instituto que é para ajudar a manter os custos administrativos da organização, pra ela ficar de pé, e pra minha remuneração.”

Hospedado em um hotel próximo a seu escritório na avenida Paulista, em São Paulo, o empresário de 38 anos escolheu para este “À Mesa com o Valor” o restaurante Spot, na Bela Vista. De blazer azul marinho sobre uma camiseta azul e sapatênis cinza, Lima diz ter se inspirado na própria história de empreendedorismo para a criação do método.

“Cresci em uma família de classe média baixa, com dificuldades para proporcionar uma boa formação a mim e ao meu irmão. Tivemos que começar a trabalhar desde muito cedo”, diz.

Antes de empreender como vendedor, seu pai foi funcionário em uma barraca na feira, empacotador e caixa de um supermercado, onde conheceu sua mãe, psicopedagoga que depois trabalharia no RH de empresas como a PepsiCo e a Claro. Após trocar muitas vezes de casa e de escolas públicas e particulares (com bolsa de estudos), Oliveira se mudou para o bairro Vila Nova, na periferia da capital gaúcha, onde passou a maior parte de sua infância e adolescência.

Aos 12 anos, Lima, com o consentimento dos pais, decidiu ganhar seu próprio dinheiro por não ter coragem de pedir um presente: um carrinho de controle remoto movido a gasolina. Em seu tempo livre, enquanto não estava em sala de aula, começou a vender crepe em frente a uma escola particular na periferia de Porto Alegre após observar filas para a compra do alimento em uma praia no litoral gaúcho.

Teve ajuda inicial da avó para comprar uma máquina de segunda mão para fazer os crepes. Com o dinheiro que ganhou, conseguiu comprar um carrinho de controle remoto após alguns meses. Depois, até os 16 anos, satisfez outros desejos, comprando uma bicicleta e uma moto. “Morava em uma área considerada zona rural, sem fiscalização na época; não tinha asfalto e, da minha casa até o ponto de ônibus, era um quilômetro de ladeira”, recorda.

“Trabalhar foi uma forma de ajudar em casa também. Às vezes tinha vontade de tomar um picolé ou comer um doce e não queria pedir dinheiro”, diz, enquanto degusta seu pedido, um bacalhau a Zé do Pipo. Nesse período foi também office-boy, digitador, vendedor de cartões comemorativos e participou de um programa da ONG Junior Achievement, no qual ganhou o título de melhor vendedor.

Lima diz que todas as circunstâncias e aspirações que contribuíram para ele moldar seu modelo de ensino de empreendedorismo alguns anos depois se traduziam em necessidades. “Fui guardador de carro, vendi cartões comemorativos em livrarias e bancas, cerveja e refrigerante em frente a festas. Nunca passei fome, mas se você visse aquele monte de conta chegando, briga em casa, separação [dos pais], confusão por falta de dinheiro para comprar passagem de ônibus... Meu irmão também começou a trabalhar aos 14 anos; começamos não porque nossos pais pediram, mas porque precisávamos ajudar de alguma forma”, afirma.

Nessa época o sonho de Lima era ser jogador de futebol. Conciliava o trabalho com peneiras (testes) em diversos clubes, como Grêmio, Juventude, Caxias, São José e Juventus. Foi aprovado em algumas e até atuou em alguns clubes por um tempo. No entanto, despesas de condução, alimentação e uniforme, além das dificuldades de se sobressair em meio a tantos meninos, fizeram a necessidade mais uma vez falar mais alto.

“Aquele dinheirinho que eu já ganhava fazia falta. Meu pai falou com estas palavras: ‘Cara, ou tu trabalha ou tu estuda. Futebol não vai te dar dinheiro tão cedo’”, conta. Nessa época, ele viu Ronaldinho Gaúcho, aluno na mesma escola e morador do bairro, começar a trajetória, com apoio do irmão e jogador profissional Assis. “Até hoje é complexo: é preciso estrutura emocional, financeira e bom relacionamento. A maioria dos jovens de periferia não tem ninguém para pegar pela mão e levar aos clubes”, conta.

Assim, Lima trocou definitivamente o sonho de ser atleta pelo sonho da independência. Mesmo assim, ele incentiva os alunos a seguir nos esportes, nas artes ou em qualquer outra área, ao mesmo tempo que lutam pela sobrevivência.

Anos mais tarde, ele mesmo fundaria o La Boca Complexo Esportivo Cultural, escolinha de futebol para crianças de classe mais baixa. “Eu não desligo o sonho deles. Hoje eu também tentaria empreender, trabalhar em um turno e jogar em outro, por exemplo. Mas um dia eles vão ter que optar por um dos dois caminhos”, diz.

Lima diz que os jovens podem trabalhar do lado de casa, poupando tempo e o dinheiro da condução. “A sua comunidade tem riqueza. Você tem que fazer o cara consumir de ti em vez de alguém do centro urbano. Em vez de comprar uma quentinha lá, compra um congelado no bairro. É mudar a mentalidade desse cara pra perceber que tem dinheiro onde ele vive.”

Ele comenta a influência positiva de um dos seus alunos sobre os mais jovens. “Um dia vi um dono de comércio puxar um bolo de dinheiro vivo para dar o troco a um cliente, e uma criança que estava lá disse: ‘Tio, quero ser igual você quando crescer’”, conta.

Tendo que conciliar o trabalho com os estudos, Lima foi aprovado no curso de administração de empresas na ESPM-Sul. Conseguiu uma bolsa de estudos por criar um projeto de captação de novos alunos para o processo seletivo da faculdade.

Ainda na faculdade, ampliou os negócios ao fundar a Shock Produtora de Eventos Estudantis em Porto Alegre e depois, por meio de franquias, no Rio de Janeiro. “A primeira formatura que eu fiz foi dos alunos pra quem eu vendia crepe lá no início. O presidente do grêmio estudantil me contratou para a festa.”

Mesmo assim, no começo, sentia-se meio deslocado na faculdade já na entrada, ao chegar em uma moto simples e os colegas, em carrões.

Após a conclusão do curso, Lima foi fazer um mestrado na Universidade de Ciências Empresariais e Sociais (UCES), em Buenos Aires, na Argentina, pensando na possibilidade de um dia trabalhar em uma grande empresa. A veia de empreendedor, todavia, prevaleceu e foi lá que ele desenvolveu a metodologia By Necessity.

Em uma ida ao Rio de Janeiro, em 2012, fez uma visita turística à favela da Rocinha e percebeu o intenso comércio em diversos empreendimentos. Na volta à Argentina na época da pós-graduação, ao sair do aeroporto, passou pela Villa 31, o maior bairro pobre na Argentina. A região é considerada uma “Villa Miseria” ou “Villa de Emergencia”, assentamentos informais com condições precárias. Assim surgiu o objetivo de sua pesquisa: analisar os empreendedores, os negócios, as estratégias, as barreiras sociais, financeiras e estruturais nos dois locais.

Seu primeiro livro, “A riqueza das favelas”, e a empresa Besouro de Fomento Social nasceram durante o mestrado. Logo percebeu as dificuldades dos negócios nas duas regiões: mesmo que recorressem à legalização, os impostos e a mão de obra eram grandes empecilhos; as ações dos empreendedores eram muito mais intuitivas do que estratégicas; a ausência de auxílio técnico; o nível de escolaridade da maioria dos moradores.

A metodologia By Necessity consiste na formulação de negócios em dez etapas: Meu Sonho, Meu Perfil, Minhas Possibilidades, Meu Negócio, Minha Marca, Meu Mercado, Minhas Vendas, Meu Time, Minhas Finanças e Minha Análise. “Eu aperfeiçoei as metodologias de outros autores que escreveram para públicos distintos”, afirma. “Fui conectando partes e vendo o que convergia para atender uma pessoa que precisa de dinheiro imediatamente. Usei também a minha experiência empírica e o conhecimento dos alunos empreendedores.”

Ele diz: “Estamos trazendo resultado direto para a economia e o desemprego. Somos parceiros reais do poder público e não apenas um fornecedor que entrega algo. A gente realmente quer que dê certo”.

Com duração de cinco dias, o curso aborda os princípios básicos da administração e, ao término, os alunos saem com um plano de negócios e contam com a assessoria de consultores durante três meses. “Os professores nasceram, trabalham ou têm relação com a comunidade. Alguns deles empreenderam com o método e quiseram retribuir nas salas de aula”, diz. Depois disso, os novos empreendimentos são monitorados por mais um ano.

Segundo Lima, os alunos que precisam e querem começar o trabalho logo após o curso têm um resultado positivo. “Quem já tem uma ideia de negócio se tornará um empreendedor em, no máximo, 90 dias”, diz.

E as dificuldades de ponto, divulgação e custos para os insumos? “Vamos quebrando as barreiras. O crédito é importante, mas o cartão pode endividar quem está começando. A metodologia é fazer com o que se tem. As novas empresas são monitoradas por mais um ano para poderem se estabelecer. O índice de aproveitamento é de 70%, ou seja, de cada 100 pessoas que fazem o treinamento, 70 avançam com um negócio e chegam a incrementar a renda em 45%”, diz.

O primeiro a utilizar a metodologia e ser acompanhado de perto foi o amigo Lenon Pacheco. Ele já cortava o cabelo do filho e, durante a mentoria, aperfeiçoou os conhecimentos e aprendeu a fazer pigmentação de barba pelo YouTube. Começou a trabalhar no pátio da própria casa e investiu o que restava do seguro-desemprego para começar o negócio com um amigo em uma ruazinha sem saída, na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. Assim nasceu o Studio Beco 10. O talento para a atividade foi descoberto a partir da necessidade e, mais tarde, Pacheco se tornou professor e contribuiu para a formação de novos barbeiros.

As parcerias com empresas privadas têm se intensificado no período pós- pandemia. “A Agenda 2030 [da ONU] e a agenda de ESG são termos recentes. Vão recriando e desmistificando os nomes, mas no final eles continuam se tratando de responsabilidade social e empresarial”, observa.

Para Lima, apesar de o poder público ter compreendido que não basta o emprego formal para reaquecer a economia, é necessário cada vez mais capacitar as pessoas para empreenderem de forma correta e organizada. “O aperfeiçoamento das políticas ajuda o pequeno empresário a não ter prejuízo, a não se tornar inadimplente, a não sujar o próprio nome; além disso, ele pode gerar outros empregos”, avalia. “Chamo carinhosamente de pré-MEI todo mundo que está sem trabalho. Essas pessoas estão no limbo. Não é da noite para o dia que ele se tornará um microempresário”, diz.

Segundo Lima, o nome de sua empresa foi inspirado nos insetos “resilientes e adaptáveis a qualquer ambiente, como os microempreendedores”.

E quais as diferenças entre o empreendedor em situação de vulnerabilidade e o com formação universitária e da classe média ou alta? “O primeiro vai levar uma semana para tirar a ideia do papel, o segundo e o terceiro, mais tempo. O método é o mesmo: a metodologia e o plano de negócios para abrir um restaurante ou um cachorro-quente na esquina de uma comunidade são os mesmos”, explica. “Falta essa educação também na academia, se as pessoas aprendessem isso na faculdade teriam começado antes, aprendido mais e errado menos.”

“A gente faz o planejamento estratégico para os próximos dois anos e faz uma revisão a cada seis meses [na Besouro]. Muitas vezes a gente está indo além do planejamento”, diz. E as oportunidades e as ameaças do seu negócio? “A concorrência de outras empresas pode ser um problema para a gente, mas, para a população, é maravilhosa”, diz. “Não me sinto um outlier [ponto fora da curva]. Tive ousadia, resiliência, faço a mesma coisa há dez anos.”

Hoje os negócios cresceram a tal ponto que, em certa ocasião, em um restaurante em Porto Alegre, foi abordado por um funcionário de sua empresa, porém não o reconheceu. “Estou entre o grande e o médio empresário. Não fico só na alta cúpula, participo muito do operacional. Acordo às 7h e vou até 1h da manhã todo santo dia. Estou tentando parar de olhar o celular, melhorar o meu sono e dormir no máximo à meia-noite.”

Durante o café, após algumas fotos posadas com o fotógrafo, Lima aponta as diferenças entre o empresário de hoje e o pequeno empreendedor nos primeiros passos. “Hoje sou um gestor que sonhei ser na época em que vivia na comunidade. Nas outras empresas eu era vendedor, carregador de caixa, gestor e tudo o que eu podia ser”, relembra.

Ele, entretanto, ainda mantém a essência do menino do bairro Vila Nova. “Você se entregar, gostar e arriscar com o que tem é o caminho para encontrar o retorno financeiro e a felicidade. Quando você faz com o seu próprio suor, o gosto é diferente.”

Pai de Bella, Marco Vinicius e Maria Flor, de 5, 4 e 2 anos, frutos da união estável com Luciane Vieira Berg, de quem está separado, Lima precisa conciliar a agenda e os cuidados com os filhos de quarta a domingo, de 15 em 15 dias. Nos demais dias ele está trabalhando ou em reunião em outras cidades. “Levo as crianças à escola e passo a semana com eles de quarta à noite a domingo. De segunda à quarta de manhã estou em outras cidades. Não tenho tempo nem de assistir a um filme inteiro há alguns anos por ter que cuidar delas”, confessa.

Quando está sem os filhos, de vez em quando ainda encontra tempo para tocar e cantar em uma banda de pagode e jogar futebol com os amigos.

Depois de ser professor na Unisinos e na Famaqui, em Porto Alegre, e, a convite do orientador Rubén Rico, em universidades na Argentina e na Colômbia, Lima planeja iniciar uma tese de doutorado em março. O tema? A continuação da sua metodologia para o aumento do faturamento dos empreendedores que passaram pelo curso By Necessity.

Após o almoço, já na caminhada pela avenida Paulista em direção ao escritório, Lima, ao cruzar a rua Pamplona, comenta sobre o faturamento do vendedor ambulante de espetinhos da esquina. “Gosto de manter contato e trocar ideias com os donos de pequenos negócios até hoje”, diz. “Se tivesse que voltar a trabalhar por um salário menor ou a vender crepe, faria isso numa boa. Com os conhecimentos que tenho hoje seria diferente, claro, poderia até ter uma rede nacional de crepe.”

Com o olhar atento a tudo e a todos em todo o trajeto, ora falando de sua paixão pelo futebol e o Grêmio, ora fazendo outras reflexões sobre os negócios e a vida, Lima ainda tem tempo de reforçar as suas convicções antes da entrada no prédio do escritório. Para ele, o país que abraçar os empreendedores em situação de vulnerabilidade com ações eficientes só tem a ganhar.

“O mais legal de tudo, o maior orgulho, não só meu, de todos nós, é a educação brasileira ser exportada. Isso foi a partir da realidade de uma comunidade do Rio Grande do Sul, mas que poderia ter sido de qualquer outra. De um lugar com tantos problemas, surgiu uma metodologia que ajuda também outras comunidades do mundo inteiro a se desenvolverem.”

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