DJ Anati: profissional da beleza e da música equilibrando trabalho e afeto
Anati descobriu na música sua paixão e sonha em atuar apenas como DJ
Nathani Saldanha Hilário tem 28 anos e sempre gostou de ouvir música e dançar – ela só nunca tinha pensado que seu lazer poderia ser também sua fonte de renda.
Depois de experimentar várias atividades, investiu em um curso na área da beleza e há seis anos vem trabalhando com alongamento de cílios, no salão montado pela irmã no bairro de Del Castilho, no subúrbio carioca. Foi só em 2023 que ela despertou profissionalmente para o mundo da música. Hoje conhecida como DJ Anati, Nathani está ganhando prática e conhecimento e ainda concilia as duas atividades, mas planeja realizar o sonho de atuar exclusivamente como DJ.
O início da jornada
Anati fala com carinho da vida simples e feliz no Complexo do Alemão, conjunto de comunidades na zona norte do Rio onde nasceu e viveu até 2023. “Tive uma infância bem alegre, divertida, cercada de amigas. Em comunidade, as crianças sempre ficam bem à vontade para brincar. Nunca tive muito luxo, mas nunca passei necessidade”.
A busca por oportunidades profissionais começou na adolescência. A partir da separação dos pais, aos 14 anos, vendo a dificuldade da mãe para se reerguer e os desafios financeiros enfrentados pela família, ela partiu em busca do primeiro trabalho para ajudar no sustento da casa.
Antes de atuar no ramo da beleza, Anati experimentou muita coisa: trabalhou como jovem aprendiz na área administrativa de grandes organizações, fez uma formação de técnica em enfermagem e iniciou um curso na área de Petróleo e Gás. Quando a irmã abriu seu espaço de beleza, Anati então se qualificou para trabalhar com alongamento de cílios, atividade em que passou a empregar sua habilidade e a ter retorno financeiro,
Mas ela sabia que precisava de mais. “Eu me cobrava muito e fui tentando ver onde me encaixava. Não entendia ainda o que queria, não via a música e a arte como uma profissão, algo com que pudesse ganhar dinheiro, via só como hobby. Mas chegou um momento em que eu precisei me encontrar de verdade”, compartilha Anati.
A mudança para o mundo da música
Em maio de 2023, a partir de uma conversa com a esposa, decidiu investir no que gostava e procurou seu primeiro curso na área da música: uma formação em DJ e mixagem básica com a renomada DJ Tami. A oportunidade veio por meio do Projeto Tami na Laje, uma iniciativa da artista fluminense que oferece cursos gratuitos para mulheres.
“Quando comecei o curso, estava perdida, precisava me descobrir. Foi ali que tive meu primeiro contato com o equipamento e aprendi muito do que sei hoje”, avalia. O contato foi tão frutífero que, dois meses depois, Tami apostou em Anati doando a ela um equipamento seu: “Ela ia desapegar e escolheu me presentear porque tinha certeza que eu iria fazer um bom uso dele”, lembra agradecida.
Em seguida, veio o curso de DJ oferecido pela Besouro no Espaço da Juventude. “Esse espaço me abriu muitas portas, me deu uma direção que eu precisava e me proporcionou acesso a equipamentos que, na época, não tinha”, relembra.
Hoje, Anati concilia o trabalho na área da beleza de segunda à sexta com a atuação como DJ nos finais de semana. Sua meta é ter pelo menos um evento por semana e, aos poucos, ampliar visibilidade e contratos para, no futuro, viver como DJ. “Só tem um ano que me formei. É um caminho que ainda preciso trilhar, com muito estudo e divulgação, para atingir meu objetivo, mas minha vontade mesmo é viver só do trabalho como DJ”, resume.
Com esse foco, Anati procura sempre frequentar eventos para conhecer o trabalho de outros profissionais e participar de workshops com DJs experientes. Seu próximo projeto é um curso de toca discos, conhecimento que ela considera importante para aprimorar sua técnica.
Letramento racial e o reconhecimento da beleza negra
Anati relata que demorou a entender o que era racismo. O entendimento veio a partir da adolescência, quando ela passou a viver algumas situações problemáticas. Certa vez, ela conta, uma pessoa quis que ela e uma amiga com cabelo black saíssem do elevador em que estavam.
“Nunca fui uma pessoa que trava quando vê um problema”, diz Anati. “Primeiro ajo, depois vou entender. Fiquei tão perplexa que na hora só reagi dizendo que ela mesma se retirasse se quisesse. Só mais tarde percebi o que tinha acontecido e procurei a segurança do local. Aí mesmo que fiquei com raiva e aliviada por ter reagido”.
Outra situação aconteceu na gravação de um curta metragem. Embora a produção tivesse como tema “o charme e a black music dos anos 90”, dispensaram sua participação como figurante pois queriam pessoas com cabelo alisado.
Embora hoje não seja mais assim, Anati conta que usou química para alisar o cabelo até os 17 anos. “Era muito difícil: os olhos ardiam, a cabeça queimava, ficava ferida por vários dias. Mas todos alisavam. Na família, na escola, os amigos... as pessoas pretas não tinham essa consciência de aceitação, ninguém achava bonito o cabelo natural”.
Na visão dela, essa desconstrução felizmente veio com o tempo, e hoje as pessoas aprenderam a valorizar mais sua beleza natural. “Essa padronização é uma estética americanizada que hoje foi desconstruída com o reconhecimento e a valorização da beleza negra”, avalia Anati. Para a DJ, o conceito branco de beleza ditou as regras por tempo demais. “Não que a pessoa não possa usar cabelo liso, mas uma coisa é você alisar porque se sente bem e outra por não ter opção”.
Para Anati, a transição capilar foi um percurso longo, mas que valeu a pena. Há dois anos, incentivada pela esposa Beatriz, ela resolveu mudar radicalmente o visual, cortando o cabelo bem curto para tirar toda a química que ainda havia. O movimento coincidiu com a decisão de assumir sua sexualidade e a relação homoafetiva para a mãe. “Queria contar pra ela quem eu era de verdade, e mudar o cabelo me ajudou a me aceitar em todos os aspectos”, celebra.
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