Dia da Consciência Negra: desafios e resistência do afroempreendedorismo

20 de novembro de 2023 - 0 min pra ler

Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, marcado em 20 de novembro, ressalta a figura icônica de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, como um símbolo de resistência contra a opressão e a escravidão no Brasil. A data, oficializada pela Lei nº 12.519 de 2011, homenageia Zumbi, morto nesse dia em 1695 por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho.

Desde a descoberta da data da morte de Zumbi nos anos 1970, o 20 de novembro tornou-se um marco para relembrar a luta dos negros contra a opressão no Brasil. Esta escolha reflete a resistência e a busca por direitos que os afro-brasileiros continuam a reivindicar.

Entretanto, a celebração da data não apenas rememora o passado, mas também incita reflexões sobre desafios contemporâneos, como a desigualdade enfrentada pelos afroempreendedores no país. Estudos, como o levantamento Empreendedorismo por Raça-cor (e sexo) realizado pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), destacam que os empreendedores negros enfrentam desvantagens significativas.

Segundo a pesquisa, os empreendedores negros registram menores rendimentos, menor nível de escolaridade, operam negócios de menor porte, frequentemente trabalham sem contratar funcionários e contribuem menos para a Previdência. Especificamente, as empreendedoras negras foram as mais afetadas pela pandemia e tiveram uma recuperação mais lenta.

Em um país onde mais de 30% dos ocupados são trabalhadores autônomos ou empregadores, a administração enfrenta o desafio de não apenas reduzir a desigualdade no mercado de trabalho formal, mas também entre os mais de 30 milhões de empreendedores. Economistas ressaltam a importância de políticas que possam promover a equidade tanto no âmbito laboral tradicional como também entre aqueles que empreendem.

O Dia da Consciência Negra honra a memória de Zumbi dos Palmares como líder da resistência negra e serve como um lembrete para a sociedade brasileira sobre a importância de reconhecer e enfrentar as desigualdades que ainda persistem, inclusive no âmbito do empreendedorismo, buscando estratégias efetivas para promover a equidade e a justiça social.

Capacitando Empreendedores Negros para a transformação de realidades

A Agência Besouro se apresenta como uma entidade comprometida em impulsionar o afroempreendedorismo. Através de seus cursos especializados, a Besouro oferece ferramentas e conhecimentos fundamentais para indivíduos que buscam transformar suas aspirações em empreendimentos concretos.

Um desses projetos é o Porto+Criativa, que direciona esforços para a capacitação de jovens negros em Porto Alegre (RS). A iniciativa não apenas capacita para o empreendedorismo, mas também estabelece uma rede de apoio e mentoria essencial para aqueles que almejam iniciar seus próprios negócios. Com uma abordagem focada na criação de oportunidades e desenvolvimento de habilidades, a Besouro demonstra seu compromisso em promover a inclusão e a diversidade no ambiente empreendedor.

Além do projeto na capital gaúcha, outros projetos realizados pela Besouro contam com edições especial voltadas para alunos negros, representando um passo significativo na promoção da igualdade de oportunidades no empreendedorismo. A seguir, vamos conhecer as histórias de empreendedores negros que capacitaram-se nos cursos da Besouro e estão transformando as suas realidades e de suas famílias com negócios inspiradores.

O grafite de Ederson Baldez: colorindo a favela

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Ederson ao lado de sua arte. Foto: Maicon Hinrichsen

O desenho sempre fez parte da vida de Ederson Baldez, 32 anos, morador do bairro Rubem Berta, Zona Norte da capital gaúcha. O artista foi um dos integrantes da primeira turma de 2023 do Porto + Criativa, projeto do Grupo Carrefour Brasil e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre em parceria com a Agência Besouro.

Ederson conta que trabalhou muitos anos com carteira assinada. A primeira iniciativa de empreender foi em 2014, quando experimentou empregar sua habilidade para o desenho, produzindo camisetas personalizadas, pintadas à mão, para MCs de funk, como o MC g7. Ele relata que o resultado ainda não foi o desejado, pois não conhecia os melhores materiais para usar. Foi aprendendo e estudando, vendeu mais algumas unidades, mas acabou desistindo, achando que o negócio não iria dar certo.

A segunda tentativa foi em 2019, quando decidiu largar o trabalho de garçom, depois de ter sido desrespeitado pela chefia, e passou a vender tênis pela internet. “Comecei a ver que trabalhar para os outros era ruim porque me dedicava muito e não tinha tempo para meu filho e minha família”. A nova atividade despertou o gosto por empreender, já que, com a venda de dois pares do produto, por semana, arrecadava o mesmo que o salário de um mês no emprego anterior. Até hoje o negócio vem sendo sua principal fonte de renda.

O grafite veio depois, a partir de setembro de 2022. Para seguir com ele, o artista precisou enfrentar a perda trágica do pai um mês depois de ter começado. A superação trouxe resultados: de lá para cá, estão aumentando as solicitações de trabalho. “No começo eu só pintava, não como um serviço, mas as pessoas começaram a me chamar para fazer grafite em paredes de quartos, lojas, salão de beleza, e agora posso ganhar dinheiro com minha arte”, celebra.

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Trabalho voluntário do artista para uma creche. Foto: acervo pessoal.

 

Com a capacitação em empreendedorismo, realizada em maio, Ederson ajustou os preços cobrados e triplicou o faturamento com o grafite, que passou de R$ 1,3 mil para cerca de R$ 5 mil mensais. “Eu tinha vergonha de falar em valores com clientes, depois aprendi que sou artista, não posso ter vergonha. Tive uma experiência incrível com o curso, aprendi muita coisa que nem imaginava. Fez eu ter uma visão que estava faltando na minha jornada, abrir meu ponto de vista e pensar em outros projetos, serviços e negócios”, compartilha.

 

Além de aumentar os ganhos com o grafite, ele já está trabalhando em outra frente para aumentar a renda e atender melhor às necessidades de sua mãe e seu filho. O novo projeto que pretende pôr em prática é trabalhar com delivery de hambúrgueres.

Para o futuro, o empreendedor quer expandir o trabalho com a arte e continuar ajudando o próximo, como já vem fazendo. “Quero mostrar mais o meu trabalho e fazer o que eu amo. Ensinar e mostrar para as crianças que elas também podem virar artistas, grafiteiros, e venderem seu trabalho”. As criações de Ederson podem ser conferidas no Instagram em @Baldezofc_ .

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Logomarca desenvolvida por designers da Agência Besouro. Créditos: Besouro.

Quentinhas gourmet são sucesso na Zona Oeste do Rio

No bairro Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma narrativa de resiliência e superação se destaca. Rodrigo Batista Gonçalves, 42 anos, viu seu negócio fechar, mas seu espírito empreendedor não se abateu. A caminhada rumo ao sucesso foi impulsionada pela capacitação oferecida pelo Gerdau Transforma, um divisor de águas que reanimou o antigo sonho.

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Cavaquinha grelhada com mix de cogumelos e redução de ervas preparada por Rodrigo. Foto: acervo pessoal.

“A capacitação foi me dando mais ânimo para tirar o meu sonho do papel e reconstruir”, compartilha Rodrigo, lembrando como a motivação renovada o impulsionou a reabrir seu negócio de quentinhas gourmet. Além disso, o chefe presta serviços em um grande buffet na Zona Sul da cidade. Agora, ele se sente mais preparado e confiante em relação ao futuro do negócio.

As aulas não apenas preencheram lacunas em gestão financeira e contabilidade, mas também despertaram em Rodrigo uma nova determinação. A formatura em 7 de julho deste ano marcou o reinício, com uma feijoada que logo se tornou um marco importante na sua história. 

Para Rodrigo, ser um empreendedor negro traz desafios singulares. “Nós que somos negros, pretos, temos dificuldade de entrar nesse ramo de empreendedorismo pois muitas pessoas não nos veem como empresários, mas como pedintes”, desabafa ele. Contudo, essa percepção equivocada não minou sua determinação. “Que possamos trazer à existência os nossos sonhos”, afirma, mantendo a fé na superação desses obstáculos.

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Mini-hambúrgueres preparados pelo chefe. Foto: acervo pessoal.

O aprendizado não parou na capacitação. Rodrigo adaptou técnicas de pesquisa de satisfação, impulsionando seus ganhos em 50%. “Hoje trabalho entregando todos os pedidos feitos por mim mesmo”, destaca.

Seus planos são ambiciosos, incluindo a ideia de compartilhar conhecimento e abrir portas para outros. “Minha meta é poder ter uma vida tranquila, poder viver o meu trabalho e poder dar oportunidade a outras pessoas, transmitindo todo o conhecimento para quem quiser aprender no futuro”, explica.

No Dia da Consciência Negra, Rodrigo reflete sobre os desafios enfrentados pela comunidade negra. “Devemos ter a nossa própria opinião para valer nossos direitos como cidadão”, ressalta ele, convicto da importância de se levantar e lutar por direitos iguais.

Rodrigo Batista Gonçalves é um exemplo de resiliência, determinação e superação. Sua luta é uma inspiração para muitos, um testemunho da capacidade de transformação que pode brotar da adversidade.


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