Comunidades repletas de talentos e potenciais

1 de novembro de 2023 - 0 min pra ler

No dia 4 de novembro, em diferentes partes do Brasil, é lembrado o Dia da Favela.

A escolha pela data busca ressignificar o que antigamente se entendia por favela. Em 1900, o termo apareceu pela primeira vez em um documento oficial, onde o delegado de polícia referia-se ao Morro da Providência, localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), como uma “favela”. Conforme o autor do texto, havia desgraça, lixo, guerra, gente estranha e tudo o que era ruim. 

Diante disso, organizações sociais e de moradores desses conglomerados urbanos, ao longo das últimas décadas, uniram-se para reivindicar a oficialização do 4 de novembro como um dia para reforçar um olhar crítico sobre esses espaços. Um convite para que se reconheça as suas persistentes dificuldades/necessidades, reivindique as melhorias necessárias para assegurar direitos e qualidade de vida a quem neles vive, e evidencie todos os talentos, potenciais, criatividade, inovação, empreendedorismo etc. existentes nas comunidades.

Felizmente, prefeituras e governos estaduais de diversas partes do país criaram leis para oficializar a data. Assim, contribuem para difundir os cenários complexos das favelas, eliminar cada vez mais perspectivas estereotipadas sobre esses espaços urbanos e seus moradores, e deixar explícita a potência existente nas 13.151 comunidades desse tipo mapeadas no Brasil que, juntas, segundo pesquisa Data Favela 2023, respondem por um “Produto Interno Bruto” de R$ 200 bilhões. 

O mesmo levantamento estima que as favelas reúnem 5,8 milhões de domicílios e 17,9 milhões de moradores e, ainda, que desse total de pessoas, 5,2 milhões já empreendem e 6 milhões querem fazer isso.

“Os números podem surpreender a quem tem ou teve pouco contato direto com as favelas e acaba, quase que involuntariamente, por adotar e disseminar interpretações superficiais e até mesmo pejorativas sobre elas. Os reflexos dessas ´leituras apressadas´ são danosos à medida que acabam por tratá-las, de forma equivocada, como espaços marcados exclusivamente pela violência e por atrasos, o que resulta, por tabela, na estigmatização de seus moradores”, explica Vinicius Mendes Lima, presidente da Besouro de Fomento Social.

metodologia By Necessity, que é levada a milhares de alunos brasileiros pela organização, surgiu das pesquisas e percepções positivas de Vinicius sobre o poder e a vitalidade do empreendedorismo dentro de comunidades desse tipo no Brasil e na Argentina.

“É a certeza de que a enorme maioria de pessoas que vivem nelas está comprometida com agregar bem-estar e valor àqueles espaços urbanos, o que nos motiva a disseminar a educação empreendedora, principalmente entre aqueles que ainda estão nos estratos mais baixos da pirâmide social brasileira. O intuito é ajudá-los a concretizar (e sustentar) o sonho de ter seu próprio negócio”, complementa Vinicius.

Iniciativas do Grupo Besouro reforçam potencial empreendedor das favelas

Felizmente, o Grupo Besouro tem tido várias oportunidades de levar conhecimentos a residentes em favelas brasileiras. A partir da parceria do Instituto Besouro com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, capacitou 5.634 empreendedoras entre 16 e 30 anos da capital fluminense por meio do programa Desenvolve Mulher.

Além de abordar questões relacionadas à gestão de negócios, o Desenvolve Mulher deu às participantes a chance de realizarem cursos profissionalizantes em Artesanato e manualidades; Estética; Tranças e penteados afro; Design de unhas; Organização de eventos; Cuidados de idosos; Pequenos e grandes reparos; e, Maquiagem, design de sobrancelha e extensão de cílios - tornando-as aptas a ocuparem mais ou melhores posições no mercado de trabalho.

A aluna Ana Lúcia, de 28 anos, mãe de duas crianças, residente na favela de Vila Paciência, destaca que o Desenvolve Mulher representou uma excelente oportunidade para mulheres e mães solteiras por indicar a elas caminhos para obterem mais renda e para não dependerem financeiramente de ninguém. “Foi uma coisa maravilhosa que surgiu em nossas vidas. Ganhamos um curso de graça e ainda saímos dali com mais um talento”, avalia Ana, que depois da capacitação passou a atuar também como trancista.

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Ana Lúcia durante sua participação no Desenvolve Mulher. Crédito: Arquivo pessoal

Outra iniciativa desenvolvida no Rio de Janeiro é o Empreendedora do Amanhã. Em conjunto com a RioSolidario, a Agência Besouro atendeu em 2022 moradoras de favelas da Zona Norte da capital. Uma das alunas foi Cleide dos Santos Dias Portugal, 53 anos, que já  teve mais de um negócio, incluindo lava-jato e venda de quentinhas, congelados e outras iguarias, e que também atua como cabeleireira em sua casa e pretendia abrir um bar.

O nome para o novo estabelecimento já está escolhido: “Cleide Portugal, a única”, um bordão pelo qual ela ficou conhecida desde que apareceu no Mais Você, de Ana Maria Braga. Ela acabou eleita, inclusive, a “Rainha da Simpatia” pela equipe do programa.

Foi por meio de uma comadre que ela soube do Empreendedora do Amanhã. Cleide sentiu-se atraída para participar por não ter, nas suas palavras, “sobressaído” nos empreendimentos que ficaram pelo caminho. “Aprendi no Empreendedora do Amanhã que não devemos pegar as coisas e sair fazendo. Tudo tem de ser medido. É preciso controlar os custos, também. E aprendi que posso tirar o meu próprio salário do negócio”, conta ela, que hoje reside no bairro de Madureira, vizinho ao do Campinho, onde foram formadas duas turmas do projeto. 

Ao proporcionar capacitações em favelas, entidades como o Grupo Besouro contribuem para ajudar nos desenvolvimentos pessoal e coletivo nessas áreas urbanas, e a dar mais visibilidade para as suas comunidades, reforçando a mensagem de que elas estão muito longe da estagnação e da homogeneidade. Ao contrário, as favelas são marcadas pela vitalidade e pela capacidade de superação.

O objetivo, portanto, deve ser o de reconhecer as forças das favelas e encontrar maneiras para catalisá-las, de forma a dar aos seus habitantes condições e autonomia para gerirem os destinos das suas comunidades.


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